domingo, 19 de abril de 2009

a 3 dias e 5 km

O momento de partida provocava-lhe sempre uma sensação de calma singular, muito próxima da felicidade. A cidade ficava para trás e tudo o que poderia vir a precisar viajava com ela na mochila. Nas caminhadas, pensava, as pessoas viajavam com o essencial da casa às costas, como um marinheiro explorador no mar, ou como um bivalve com a sua a concha e que se desloca. Bastava um saco cama, um colchão, um casaco quente e um corta vento, para que tudo o que a cidade continha se tornasse supérfluo. Vozes, ruídos, gente, odores, tiranias de ponteiro de relógios deixavam de fazer qualquer sentido. Diante de presença agreste e mágica das montanhas omnipresentes, dores, anseios, vínculos sentimentais, ódios, esperanças, diluíam-se em cada passo enfraquecendo até parecerem distantes, sem sentido, porque os montes tudo absorviam. Havia coisas intoleráveis na cidade, ausências, angustias, pressas, competição, que só se podiam suportar emergida numa paisagem ampla e montanhosa.
Era verdade que a liberdade verdadeira, a única possível começava passado três dias e a cinco quilómetros da aldeia mais próxima.

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